sábado, 12 de abril de 2008

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Olhei a minha volta uns trinta segundos antes de me sentar. Havia ali ,a frente da poltrona onde estava, uma mesinha de centro, uma rosa repousava dentro do vaso azul combinando com o sofá à esquerda da estante com tv, rádio, uns livros e uma bola de futebol americano disposta num suporte. Num canto qualquer, uma mesinha de telefone com muitas canetas e alguns recados. Uma salinha normal era o que parecia.
Após me sentar, respirei procurando absorver o ar do ambiente e ouvir o que ele tinha a me dizer. Os ares traíam hospitalidade, risadas e amigos se divertindo. Triste pensar que aquela mesinha não seria mais alvo de topadas , o sofá não riria mais com os amigos do rapaz desengonçado, a tv não mais espelharia o rosto sem graça a se desculpar com a namorada e o piso não receberia os cacos do vaso e o afago das pétalas soltas pelo tombo. Era o fim da aventura.
Sempre achei divertido esse meu trabalho, mas dessa vez me pareceu triste calcular os metros daquele apartamento, anotar o tipo de piso e o estado das paredes. Esperei por meu café sentada à poltrona cuja história estava claramente escrita em seus braços. Algumas manchas denunciavam festinhas particulares, um rasgo próximo ao pé, traía a presença de um cão de dentinhos nervosos, brincando a esperar pelos donos e sua confortabilidade trazia anos de uso para o descanso enquanto um de seus donos lia um jornal ou revista antes de sair para a faculdade ou trabalho.
A mocinha me trouxe o café e , sorridente, pediu que a acompanhasse; me mostraria o resto do apartamento. Andei acompanhada pelo som daquela voz que detalhava cada metro quadrado por que pássavamos e explicava as marcas de mão na parede, um tanto sem jeito. Não prestei atenção em absolutamente nada do que ela disse. Se registrei algo, foi por puro costume da profissão de arquivar informações automaticamente. Paramos no primeiro quarto.
Uma cama, um armário de quatro portas embutido e uma caminha de puxar claramente feita separada da cama. Notei um criado mudo com alguns pertences ainda espalhados _ uma caixa ao lado ,pronta para abrigá-los _, uma bandeira de um time inglês que não reconheci pendia do teto servindo de enfeite. No outro quarto, uma cama de casal, um colchão de solteiro embaixo dela, um armário de seis portas e duas mesinhas ao lado da cama. Um quarto simples senão pelas bandeiras de mais dois times ingleses, uma a cada lado do quarto.
Na cozinha, nada ficou. Na área, alguns traços de churrasco recente, provável despedida dos amigos da casa antiga. Alguns pratos descartáveis repousavam dentro de uma caixa de papelão ao lado do tanque , confirmando minha suspeita. Voltei à sala e achei o cachorro dono das mordidas no sofá, o rapaz das manchas de cerveja na poltrona, o namorado culpado pelas marcas de mão na parede e pelo vaso colado em cima da mesa. Ali, buscando as últimas caixas e encaixotando os últimos pertences, estavam os antigos donos da casa. O cachorro, solto da guia pelo rapaz maior, veio me saudar. Me cheirou as canelas e saiu abanando o rabo, mostrando aos donos que eu era confiável, pelo menos enquanto ele estivesse por perto.
Notei que meu trabalho ali havia terminado, as últimas caixas saíam pela porta e na estante já não havia mais bola, nem tv. Na mesinha, o vaso jazia sem flor e o ar que entrava pela janela era saudoso. Me levantei, agradeci aos antigos inquilinos , fiz um cafuné no cão. Ouvi um comentário do namorado apaixonado, um beijo estalado e um "Argh" do amigo. Risadas.
Sorri mais uma vez e fiz minha última anotação: "Excelente para estudantes, boa localização, boas energias."

Por Camila Reis 11.04.08 em Lonas Azuis